imagina assim: começam a ser reportados casos de pessoas perdendo o olfato.
algumas, depois outras, e de repente todo o mundo. é uma epidemia.
primeiro eles se desesperam – e se perdermos outros sentidos?
mas a esperança é que a doença atinja apenas os sentidos químicos – porque se perdeu o olfato, a população perdeu também o paladar.
a vida segue. as pessoas se acostumam.
a crítica gastronômica dos restaurantes – pobres restaurantes! – passa a descrever os pratos como crocantes, esponjosos, quentes, gelados.
com a perda da capacidade de sentir cheiro, aos poucos as pessoas também vão perdendo a memória.
agora imagina um povo sem memória.
é triste, ao mesmo tempo emocionante, observar como as pessoas passam a viver sem sentidos; ver o que passa a ter sentido.
em pouco tempo começa outra desgraça: seguida de uma crise de fúria, um ataque de ira, vem a perda da audição. vem o silêncio.
o governo aconselha aos surdos ficarem em casa.
o cenário já é apocalíptico.
mas piora.
porque desce a escuridão.
***
assisti esse filme numa noite fria, sozinha.
chama-se perfect sense.
comecei a escrever sobre ele e já nem sei por quê.
imagem_ rosangela rennó